Rabinho de brasileira
Uma amiga escreveu em alguns lugares à vista: “os limites da
minha linguagem são os limites do meu mundo”... E pelo que entendi... Talvez esteja
errada em considerar essa afirmação, minha cara.
Isto mesmo... contesto agora Ludwig
Wittgenstein, se é que compreendi bem sua afirmação.
Estiveste em Lisboa e não mais onde andaste por Portugal,
mas creio que tenha sido uma estada breve, em que viste as belas casas antigas,
os azulejos e as volutas pelos cantos das janelas. Quem sabe sentiu o frio dos
diasitos de inverno daqui e pensou “é apenas um dia quente no inverno europeu”
Pois não é. O frio aqui
lembra minha caótica Porto Alegre, não mais que ela, pois aqui o verão é então dez vezes mais cruel.
Digo-te, para saberes onde vivo neste momento, que a
linguagem é um nada perto das inúmeras coisas que mantem, por exemplo, os
brasileiros afastados dos portugueses. E deveria ser assim? Falamos a mesma língua, ainda que sejamos tratados como pessoas incultas por qualquer humilde
cozinheiro da tasquinha do bairro, que se ri ao dizer “não vendemos drogas aqui”
quando lhes pedimos uma Coca Cola. Aqui se diz “Cola” e isto é um ponto final e
pacifico.
(e eu me rio por que penso que não sabem que cola também se
cheira)
Três adolescentes “rockers” passam por mim na rua, cheiram a
hot-dog e cerveja Superbock, orgulham-se do país tanto quanto das vitrines que
vendem seu estilo pronto e fabricado, ou tanto quanto se orgulham as famosas
patricinhas, que por aqui também existem e estas não cheiram a perfumes fortes
e doces, como seria comum, estas cheiram a nada, ou melhor.... Cheiram ao
cheiro ascético das roupas recém-compradas, cheiro de loja, em eterna
repetição, as confundimos pelas ruas.
Há então limites que, muito maiores que nossa linguagem
criam verdadeiros abismos. Abismos de cultura, de educação e valores. Mas veja bem, não lhe posso dizer que os portugueses recebem mal os brasileiros, pois
nem eu, nem meus outros colegas das artes que vieram comigo, pusemos nossos pés
adentro dos bonitos jardins de suas casas, pois não fomos, em momento algum,
nestes 10 meses de estada, ainda dignos de sua confiança ou qualquer tipo de
simpatia. E olha que, estudamos artes, somos mais soltos, menos tímidos, e se não
isso, em alguns outros casos, ao menos dotados da infame habilidade da
falsidade.
Surpreendeu-me uma colega de faculdade, portuguesa, a me
perguntar “tem pastilha elástica?” (assim chamam o chiclete) e ao que respondi
que não tinha, deu as costas e voltou tudo como era antes: nenhum contato,
absolutamente.
Sou eu, a brasileira que, sem explicar a perdida descendência
europeia, é considerada albina perto dessas peles morenas dos portugueses, que se
deitam sob o sol escaldante de um dia de verão 35° e me recomendam, sem que eu lhes
queira saber a opinião: “vá tomar um sol!”, em qualquer caminhada pelas ruas (e
pelas sombras).
E o medo dos estrangeiros? Não só dos brasileiros, mas de
qualquer um, por que estrangeiro tem mais vontade, mais força, criatividade e
ambição do que um punhado de estudantes recém-formados na Universidade de
Coimbra. Vive-se com orgulho do que foi
conquistado pelos ancestrais, pela exploração e especiarias, como crianças
mimadas que sempre possuíram tudo e nada necessitam.
Há espaço para os estrangeiros trabalharem e se construírem,
pois aqui fora dos circuitos turísticos, (às vezes ate mesmo neles) atendem-se
mal os fregueses, atende-se mal os visitantes, a impaciência reina enquanto
lhes facilitamos o troco, e as informações sempre serão incompletas.
Pudera! Há um poeta português, Mário Cesariny, comenta em
certa altura “(...) no país onde os homens são só ate ao joelho (...) e no país onde
as lindas raparigas são só ate ao pescoço (...) e o joelho, que bom está tão
barato!” em seu “manual de prestidigitação”
Posso pecar por isso, mas digo da forma mais simpática e
leve possível: os homens são ate os joelhos por sua falta de ousadia, e as
mulheres, lindas só ate o pescoço por suas feições sempre tão desprovidas de
humor. Há que, se faço graça, nem um meio sorriso arranco de seus rostos, mas espere o momento em que eu, desastrada, tropece!
Então rirão tanto quanto não irão estender-me a mão para que eu levante do chão.
Não faz mal, eu também rio, rio desse medo, esse medo impresso nas
capas de revista : “dicas para ter um rabinho como o das brasileiras” , estou bem de bunda, obrigada.
Tantos amigos em casa agora, do outro lado do atlântico já me
disseram “o Brasil é um lixo”...
lhes digo que há apenas o lixo visível, desarticulado, aqui e em sabe-se lá quantas partes do mundo
esse lixo é apenas mais oculto, disfarçado, corrupção articulada, menos
descarada. E enquanto o jeitinho brasileiro é famoso e evidente... O do português
é fechado, oculto, “por baixo dos panos”.
Aqui é belo e seguro? é. Ao menos ate onde os olhos podem
ver. Ora não se ofendam portugueses, antes neguem do que me castiguem,
repliquem, mostrem alguma energia.
Me diga então, minha
cara, se a linguagem é ainda o que determina o limite do teu mundo?
Penso que, não temos limites nesse mundo, não somos definidos pelo lugar de onde viemos, somos definidos e definimos nosso espaço pela forma de nossos pensamentos e atitudes.
Tanto faz se aqui em Portugal no Brasil ou na Áustria de Wittgenstein....
mt bom!
ResponderExcluirA linguagem é muito mais que um conjunto de palavras e formas de dizer "bom dia" ou como não parecer rude quando não o devemos ser.
ResponderExcluirA linguagem ainda é esse conjunto de modos que nos faz transitar sem parecermos alienígenas dentro de uma ou outra cultura.
Nunca te diria que é somente isso e nem te diria que o basta por si. Mas, se não delimita os limites do meu mundo, ao menos fecha alguns portões.
O Portugal que eu conheci foi o Portugal do turista, o Portugal mais cheio de brasileiros do que de portugueses. E eu nunca compararia meu conhecimento cultural com o teu. E nem o contestaria.
O fato é que como uma estudante de língua, ainda acredito que minha linguagem delimita meu mundo. Mas nunca o disse, meu doce amor, que minha linguagem bastava pra isso.
Às vezes nossa própria mente delimita nossa linguagem e isso delimita nossa visão sobre as coisas. E então, nós como brasileiros abertos que somos (por mais fechados que possamos ser, ainda abertos) ainda somos suscetíveis à um par de braços abertos que nos recebam. É a vida, todo o tempo as pessoas são frias conosco (e aqui mesmo, no Brasil), quando precisamos que não os sejam. Frieza é um ponto de vista. A pessoa fria é sempre quem nos nega o abraço. Nunca somos nós (mesmo que sejamos nós a negar algo). Confiança ainda é cultural, mas só às vezes.